Monday 21 November 2016

WINNER TAKES ALL (III) (Um rapaz da Madeira)

E Portugal, contra tódolos pronósticos racionais, chegou à final do Europeu de Futebol. Porque, entre outras cousas, contou coa ajuda da deusa fortuna, sem a qual nem a melhor equipa do mundo consegue tal façanha. Vede se nom a Espanha, que sem as decisões arbitrais a seu favor, a lotaria dos penáltis e certos lances desesperados, tudo isto em várias ocasiões, nom teria ganho rem. Mas tamém é verdade que, sem o melhor jogador do mundo, Portugal nom teria chegado onde chegou, mesmo que este jogador nom tenha estado em grande forma. Emporisso, o seu valor reconhecido, como jogador, é-lhe negado, por muitos, como persoa. Na Inglaterra, os trolls e os "Ronaldo haters" estivêrom sempre mui ativos pra vazar os seus juízos e condenações, sobretudo após aquele incidente co jornalista, em que o Ronaldo lhe tirou o microfone e arrebolou-lho numha lagoa. Nom bastava com ele estar a jogar por baixo do seu nível, agora já havia motivos pra qualificá-lo de arrogante e ruim. No entanto, eu, que nunca fum um grande admirador dele, conseguim albiscar algo mais fundo nessas críticas e ódios: é que o que nom se lhe perdoa, numha sociedade classista como a britâncica, é que um estrangeiro e de classe popular tenha chegado às alturas aonde ele chegou, mesmo ao ponto de desprezar o Manchester United em favor do Real Madrid.

Porém, é verdade que o Ronaldo tem um grande ego, o que acrescentado à sua belida aparência, à sua riqueza e sucesso coas fêmeas, atrai o ódio desses trolls e invejosos, tam aleutos pra vazarem, do anonimato dos seus computadores, as suas frustrações numha figura pública. Ainda assi, o que esses medíocres nom compreendem é a determinaçom e ambiçom que guia o Cristiano Ronaldo, e que fai com que tenha umha capacidade de trabalho e sofrimento enormemente superior à de qualquer um deles. Essa capacidade de salto com que ele maravilhou contra o País de Gales, nom é so natural, mas decerto que é tamém o resultado de intensíssimos e constantes treinamentos. Por quanto se sabe, ainda nom nasceu o jogador inglês de futebol coa mesma dedicaçom ca o Ronaldo. Mas os "Ronaldo haters" só sabem falar do lado negativo do seu aspeto social e glamoroso, aproveitando pra alargarem a Portugal inteiro o seu ódio.

Em qualquer caso, neste Europeu houvo umha ocorrência que fixo de mim um admirador do Ronaldo. Foi quando aquele seareiro saltou pró relvado pra tirar a selfie com ele. Via-se que era um rapaz que admirava excessivamente o CR7: estava nervoso, quase chorando, porque a câmara nom lhe funcionava e os seguranças estavam já ali pra o prender. E o Ronaldo amossou aí a sua grande capacidade humana. Quando qualquer jogador ou estrela, nesse momento de grande tensom de antes do início dum jogo decisivo, teria ignorado por completo ou mesmo desprezado esse fam, Cristiano Ronaldo deixou-se aproximar dele e mesmo tivo a paciência e a bondade de pedir aos guardas pra esperarem polo rapaz tirar a selfie, pondo agarimoso o seu brazo nos seus ombros.

O rapaz da Madeira que pra treinar a velocidade, no seu Funchal natal, punha pesos nos tornozelos e botava carreiras aos carros nos semáforos, e que acabou chegando ao topo mundial como jogador de futebol, estava ali pra levar o seu país a glória, ao prezo que for, porque ele acreditava na glória dos heróis do mar, do seu nobre povo, e nom só no seu próprio ego. Mas apesar dos altos desígnios que já se preparavam pra ele e a sua naçom valente e imortal, apesar das invejas e ódios dos ruins, ele nunca deixou de ser o que é: um rapaz da Madeira. Talvez por isso a fortuna lhe sorriu.



Sunday 20 November 2016

WINNER TAKES ALL (II) (Aventuras dum galego na Inglaterra)

Disque quem começa mal acaba mal, e isso mesmo é que eu pensei após o primeiro jogo de Portugal nos Europeus, contra a Islândia. E os jogos a seguir parecia que iam confirmar a sabência popular, porque Portugal apenas conseguiu apurar-se pràs eliminatórias por um triz, mercês à nova regra que permitia o apuramento do terceiro classificado (num grupo de quatro equipas!). Se bem o probe jogo de Portugal nom me surpreendeu muito, visto como vinha jogando nos últimos tempos, eu fiquei um algo abraiado pola pouca simpatia, mesmo xenreira, que a nossa equipa suscitava, acô na Inglaterra. Falo do que ouvim falar e mais dos comentários dos internautas futeboleiros. Portugal nom só era umha equipa sobrevalorizada, mas ainda dava nojo vê-la jogar, a arranhar empates e mostrar-se incapaz de faguer qualquer jogo positivo. De facto, segundo chegeui ao trabalho, no dia seguinte ao devandito primeiro jogo, encontrei esta mensagem, enviado por um colega, na minha caixa de emails: 

Iceland – part timers 1 and the mighty Portugal ????
Heads will roll!!!

Love it.

Abonda isto como exemplo da simpatia que o britâncio sinte polos «underdogs», sejam chaínhas ou nom, mas nom só: ver um poderoso Portugal, co seu todo-poderoso Ronaldo, falir perante umha equipa claramente inferior, é motivo de alegria. De facto, mesmo quando Portugal conseguiu o apuramento, dessa forma tam ruim e aqui vista como injusta, o pronóstico dos comentaristas era sempre pra umha derrota de Portugal no próximo jogo. Portugal havia ser esmagado pola Croácia, a sua boa sorte havia rematar em Polónia, a Bélgica ou o Gales haveriam colocá-lo no seu lugar de batoteiros e choramingões, e já na final a Francia havia malhar três ou quatro golos em Portugal ... E isso sem falar da Ronaldofobia, dos Ronaldo-haters, sempre a alongar o seu ódio por Ronaldo a toda cousa portuguesa. É triste ver coma um país que históricamente foi um grande aliado dos britâncios, é assi bulrado e desprezado, mesmo que seja só no eido futebolístico.

Em qualquer caso, eu resolvim, no que a mim tocava, nom responder a essas críticas e ataques, senom polo positivo: sim, é verdade, nós jogamos mal, tivemos muita boa sorte, apuramo-nos sem merecer, bla bla bla ... a humildade é a melhor maneira de fazer face a um mundo hostil.

Mas um belido dia ocorreu que à Inglaterra quadrou defrontar os «part-timers» da Islândia, e nom só nom conseguiu vencê-la, mas ainda perdeu e ficou eliminada. Agora os críticos e odiadores do Ronaldo virárom os seus ataques prà própria equipa, ou simplesmente desaparecérom em baixo da terra. E ao dia seguinte desta desfeita inglesa, com certeza a meirande humilhaçom já sofrida por eles, quando eu cheguei ao trabalho pensei por um intre retrucar àquela mensagem do colega, já que nom lhe retrucara no dia, com algo como

Did you love Iceland? Not half as much as me, mate 

Mas decontado cuidei que este tipo de mensagens nom seria cousa muito positiva, prà nossa imagem, e poderia mesmo acrescentar o ódio que já nos dedicam. De modo que eu, pra nom ser qualificado como «the enemy within» limitei-me a reproduzir as mesmas atitudes que os ingleses haveriam mostrar naquele dia. Afetando ora certa indiferênça, ora criticando a inutilidade do chaínhas do treinador, ora a inutilidade dos chaínhas jogadores, ora mudando de tema de conversa. E como o inglês é umha persoa incapaz de levar-se a sério, tamém nom faltárom piadas sobre a própria desfeita:

"England should struggle to beat Aldi, never mind Iceland" (que é tamém umha cadeia de supermercados)
"Hodgson, the only man in England with a coherent plan for leaving Europe" (em alusom ao Brexit, votado no dia anterior)
"Just to remind you once again: even if England lose we don't go out of the tournament until we invoke Article 50."
"Only England could manage to exit Europe twice in one week "
"England couldn’t even beat the Choco of Redondela or the Rápido of Bouzas" (equipas de chaínhas galegas onde as houver)

Chegando ao final daquele preto dia preto (nom tam preto pra mim), o ambiente na sala onde eu e os colegas estavamos ligados em cadanseu computador tornava-se por momentos deprimente, ninguém falava. O ar podia-se cortar cum coitelo, e assi veu-me um súpeto impulso terrorista. Voltando-me pra umha colega, decidim largar a bomba, na forma dumha pergunta inocente, e tamém com cara de inocente:

«Maruxinha (o nome é falso, pra que nom me detetem), e logo viche qualquer cousa interessante onte na televisom?»

De relance, apercebim coma o meu colega da mensagem islandesa ia afundindo, aos pouquinhos, a cara no teclado do seu computador.




Monday 7 November 2016

WINNER TAKES ALL (Aventuras dum galego na Inglaterra)



É costume mui britâncio, aquando os grandes acontecimentos desportivos, o faguer apostas no lugar do emprego. Assi, co galho do Euro 2016 de futebol, e pra participar nos costumes costumeiros no meu emprego, tivem de tirar, em troca dumha libra esterlina, umha bolinha de papel dum saco de plástico. Havia neste saco, que umha colega me protendia, muitas bolinhas, nomeadamente 24, umha por cada equipa participante. Eu fum um dos últimos em tirar a bola, e quando metim a mao no saco já nele nom estavam as melhores equipas: a França, a Alemanha, a Espanha, a Inglaterra, a Itália ... Ainda assi, coas que restavam pensei armar um bocadinho de festa, e antes de tirar a minha bola remexim em todas elas e dei palmadinhas no fundo do saco, hop, pra as fazerem remexer e choutar, hop, hop, como se fosse algo mui emocionante. A colega que tinha o saco nas maos, embora nom dizia nada, devia já ir um algo impaciente, à espera de eu parar de faguer o macaco e tirar a fodida bola de vez. Enfim, após a minha exibiçom de suspense, cum sorriso mui retranqueiro tirei umha bola, e passei-na a umha outra colega que ali ao lado assistia a este sorteio que nem o Blatter e o Platini. Esta colega abriu a bolinha de papel que quadrava, precisamente, a este galego que se fai de português, e queredes saber que equipa nacional me tocou? Sim, PORTUGAL.

A gente ficou bastante surpreendida e divertida, «olha que o português veu a tirar a bola de Portugal, how funny, what a coincidence!» Mas ninguém deles suspeitava o ledo que eu me sentia deveras nesse momento, nom por ser português, como todos erradamente pensam que som, nom, mas porque eu som, com efeito, um grande torcedor da seleção das quinas. A verdade é que já nom tenho a paixom polo futebol que eu adoitava ter de neno, e ainda menos polo negócio que o futebol de hoje se tem tornado. Mas quando joga Portugal fica tudo em suspenso, e eu torno-me mais um torcedor da seleção. Que lhe querem, cada quem tem as suas fraquezas e estranhezas. E agora eu tinha mais um incentivo engadido, nomeadamente económico (24 livras), pra torcer por Portugal. Sentia-me mesmo como parte da equipa, cum interesse direto e pecuniário em ganhar o Euro. Mesmo que eu jogasse tanto coma o terceiro guardarredes, eu haveria levar tamém um bônus. Nunca tal cousa, em toda a minha carreira de seguidor de Portugal, me ocorrera. 

Contudo, e por muito fam que eu seja, nos últimos anos eu já vinha perdendo um algo de paixom. Nom por culpa minha, nom, senom devido aos pobres resultados que Portugal tivo (pra nom falar do fiasco do 2004). Em qualquer caso, antes de a competiçom começar eu botei umha olhadela à equipa, pra avaliar as nossas hipóteses de levarmos o bonus (£24 no meu caso, no dos jogadores um pouco mais) e o caneco. Vejamos: bons guardaredes, até ai tudo bem. Na defesa: mau, mau. No centro, o brasileiro batoteiro do Real Madrid, que nunca se sabe quando vai levar o cartom vermelho e estragar as nossas hipóteses, o Carvalho centenário (ele-nom se tinha retirado na década passada?), o Fonte, jogador de meio nível na Premier league, e mais o Alves, que se quadra tem mais jeito pró kung-fu. Nos lados temos um que nem fala português, outro do meio nível na Premier, e o Cõentrao nem sequer está. Restam o Costinha e o Lisandro. Por tanto, umha defesa insuficiente. Meio campo: o William, que é bom mas teria problemas pra se apurar prà final dos 100 metros pra maiores de 60 anos. Despois temos um outro francês, um rapaz de 18 anos, e o Moutinho que já vai velho. O resto som jogadores aceitáveis, só isso. Na frente: o Ronaldo, que está fora de forma, como se viu na final dos Champions, o Nani, que tivo o seu momento há por aí 10 anos, o mesmo que o gajo das trivelas. E pra rematar, o meirande chaínhas da Premier league nos últimos anos, o Éder. Treinador: um fulano que andou pola Grécia e vive permanentemente com cara de ferreiro. Pobrinha a mulher!

Enfim, nom dá, nom dá pra nada. Estou mesmo a pensar em vender a minha bolinha, talvez consiga uns 50 pens. O pior de tudo é quando ligo a RTP on line: Great expectations! «Temos muitas hipóteses, queremos jogar a final, aliás, vamos ganhar a taça!» Enfim, é-che o que há, meu, som portugueses, um povo bem simpático. E eu som supostamente um deles!

No trabalho fala-se de vez em quando de quem vai ganhar, de quanto vai durar a Inglaterra antes de fazer o ridículo mais umha vez, desta ou daqueloutra equipa. Eu cuido que vai ganhar a França. A Alemanha porém sempre ganha, mesmo quando joga mal, é verdade. Portugal? Naaa … Todos concordam, Portugal é só Ronaldo. Isso mesmo digo eu tamém, como muito chegamos às eliminatórias; acho que podemos vencer a Islândia e a Hungria, a pesar de tudo. No meio destas conversas descontraídas sinto-me à vontade, sinto-me coma um embaixador de Portugal, povo de gente humilde e simpática, que até falam umha espécie de galego. Porém, dalgumha maneira que nom consigo explicar, sinto-me tamém mancado, um pouquerrechinho, no meu orgulho. Talvez devim dizer que Portugal nom é só Ronaldo, que Portugal tamém tivo um império e navegou por mares dantes nunca navegados ... Mas cumpre ter os pés bem assentes na terra, e nom dizer cousas de que se arrepender mais tarde. Umha noite antes dos jogos vou-me deitar. Enquanto adormeço contemplo, por uns intres apenas, Portugal a ganhar jogos, a fazer um grande Euro 2016. Com certeza que aqui, na Inglaterra, nom som o único a acubilhar um tal sonho ... 

(Fim da primeira parte)

Tuesday 11 October 2016

A ONÇA MORREU, MATO É MEU (aventuras dum galego na Inglaterra)

Nom muito tempo há, porque o tempo é cousa mui relativa, em sentindo saudades de nom sei o quê, acô na fria Inglaterra, inscrevim-me num clube de capoeira. Eu já ouvira falar dessa estranha arte brasileira, com nome como que de pitas ou galinhas galegas, mistura de bailado e de loita marcial, e velaí que o dia foi chegado pra eu o experimentar. Sendo eu como era ainda moço, ou nessa idade em que o corpo ainda consegue fazer, com algum pequeno esforço engadido, o mesmo que fazia mais à vontade vinte anos atrás, juntei-me a um grupo de moços e moças, todos mais jovens ca mim, e por certo mais viçosos de corpo e aleutos na arte. Havia ali gente de todo o mundo. Havia mesmo um rapaz checo que adeprendera sozinho a capoeira no seu país, assistindo no youtube. Os mestres falavam bem inglês, e recebíram-me mui afavelmente, como noviço que era. Pra nom crebar qualquer harmonia e evitar todo trato de favor, eu falei-lhes tamém inglês, embora eu sabia que eles partilhavam comigo um certo elo linguístico. Gostei muito da capoeira, desse ritmo e músicas, desse esforçar o corpo em movimentos como que de ondas do mar. Foi pena que nom me tivesse iniciado em neno, pois há cousas, digamos um sentido da arte, que nom se dam apreendido tam facilmente em adulto. Eu conseguim contudo reproduzir alguns movimentos, nom sem certa graça, mas o sentido da loita e bailado simultâneos escapavam-me por completo. Emporisso, pagava a pena alô estar, e participar plenamente, coma mais um deles, nos aquecimentos e na prática dos movimentos fundamentais, assi como escoitar o tanger e bater daqueles instrumentos tam exôticos, esculpidos em madeira e peles tropicais.

E por isso mesmo, porque a capoeira nom só é dança e loita, mas tamém palmas e cantigas, aconteceu um dia que um dos mestres capoeiristas introduz a turma à umha cantiga, e vai-nos fazendo repetir as letras, verso por verso, pra podermos engadir o canto às palmas e à roda de capoeira. Ele dizia um verso, e os alunos repetiam, sem saber o significado das palavras. Achei engraçado como o sotaque inglês se fundia no brasileiro, numha ladaínha misteriosa e incomprensível pròs participantes. Mas nom pra todos eles. Porque segundo eu me ia soltando no ritmo das palmas e da voz, o significado da ladaínha ia atingindo na minha mente tonalidades verdadeiramente conhecidas: aquela era umha cantiga galega. O mestre ia encorajando o persoal, porque já se sabe o difícil que é falar umha língua estrangeira, e ainda mais cantá-la batendo palmas, de modo que ele ia dando à roda atençom personalizada e conselhos, como se fosse um mestre de língua portuguesa. Quando chegou quanda mim, parou a me escoitar, sorriu abertamente, acenando em afirmativo coa cabeça, e deseguido continuou pra atender quem ainda nom conseguia cantar bem os versos.

E assi, segundo os capoeiristas da fria Inglaterra iam apurando a sua proépia brasileira, nassalizando e e pronunciando ao jeito propriamente brasileiro, em ritmo co bater das palmas e de tambor, do tanger do birimbau, eu acô ia matando as minhas saudades, sem preocupar-me mais da minha pronúncia galega do que um brasileiro em Lisboa da sua própria brasileira.

Havia porém mais umha diferença entre eu e os meus colegas de turma: Eles cantavam umhas palavras estranhas, cujo significado lhes fora explicado, em inglês. E eu, que nom precisara daqueles esclarecimentos, estava a cantar na minha própria língua. Acô, numha terça feira do outono da fria Inglaterra, longe mui longe da Galiza ...

Algum tempo mais tarde pescudei as letras daquela cantiga na internete. Ei-las:


A onça morreu, mato é meu
Mato é meu, mato é meu
A onça morreu, mato é meu
A onça morreu, morreu, morreu
A onça morreu, mato é meu
A onça do mato agora sou eu
A onça morreu, mato é meu
Mato é meu foi o meu pai quem me deu
A onça morreu, mato é meu


E velaqui como muitos anos despois de eu andar polo mato da Galiza, a sentir o arrecendo da onça sem nunca conseguir vê-la, decatei-me um belido dia de que o mato galego, o meu mato, era em realidade muito mais largo do que me tinham dito, e ele-havia árvores e criaturas exóticas, e o arrecendo da onça pairava por todo ele …









Monday 10 October 2016

SE VAS AO BRASIL ...

Quando um meu tio-avô decidiu emigrar prò Brasil, ha já mais de cem anos disso, diz-que foi quanda a sua madrinha, "despedir-se"(pedir quartos?). Eu nom sei porque ele teria escolhido esse país, e nom algum outro. Decerto que a similitude linguística e cultural foi um facto de peso na sua decisom. Ou talvez tenha ouvido boas cousas do Brasil, ou mesmo tivesse "contatos" ali. Em qualquer caso, quando dixo à madrinha que marchava pra America, a única resposta que obtivo dela foi umha frase dabondo lacónica, que passou a formar parte da mitologia fraseológica da minha familia: «que che pinte!». Velaí o equivalente galego de «boa sorte», mas dito com muita retranca. E eu suspeito que a retranca, neste caso, era um mecanismo de desdramatizaçom que as persoas tinham naqueles tempos. 

Umha vez chegado “no” Brasil, mais umha vez segundo a minha mitologia familiar, cumpria um período de adaptaçom linguistica ... de aproximadamente cinco minutos. A verdade é que o que se falava naqueles tempos no Brasil, o léxico e o baralhete vernaculares, devia ser mui diferente do galego (situaçom semelhante à de qualquer inglês emigrado pròs Estados Unidos) mas quando se trata de buscar-se um meio de sobrevivência, a língua fica reduzida ao mais elemental e necessário. As nuances e normas gramaticais desaparecem e o único que resta é aquilo que liga as necessidades básicas duas ou mais persoas. Os sotaques e as maneiras de falar som mais um elemento dessa paisagem bizarra que se forma em qualquer país colonial, tendo-se que se lidar com eles segundo aparecem, sem ter de os questionar ou evitar, e mesmo adotando-os segundo convenha. É por isso que os galegos deixárom no Brasil inúmeras amostras da sua cultura e língua. Neste último eido, seica a própria expressom galega de «pintar», no senso que a madrinha de meu tio-avô lhe dera, tenha passado ao português do Brasil: 

http://www.aulete.com.br/pintar 11. Bras. Pop. Conter boas perspectivas; apresentar boas possibilidades [int.: Esse filme está pintando para o Oscar] 

Já que logo, se vas ao Brasil ... que che pinte!



Sunday 9 October 2016

O RUÇO PEQUENO PRA MIM

Velaí as primeiras palavras que um meu tio-avô, alô contra o começo do século XX, ouviu no Brasil. Naqueles recuados tempos umha enchente de galegos ia saindo do país cara o Brasil, pra além doutros destinos, e este meu antergo foi um deles. Diz-que (segundo a mitologia da minha família) assi que desembarcavam nalgum porto do Brasil, os colocavam todos no alto dum estrado, pra os fazendeiros ou tratantes que for os irem escolhendo em funçom do seu aspeto. E assi, meu tio-avô, sendo pequeno de estatura e mais de cabelo ruço, foi «mercado» por alguém que gostou da sua pinta de galego bulideiro. Mas se os galegos eram possivelmente «apreciados» no Brasil, polas suas dotes de trabalhadores duros e sofridos, eles apresentavam tamém umha outra vantagem, a respeito daqueles provenientes das outras partes da Europa e do mundo: é que os galegos já falavam a língua do Brasil. Por isso mesmo é que eu ainda conheço o significado desta palavrinha, «ruço», que embora hoje na Galícia esteja quase que esquecida ou mesmo substituída por outras castelás («rubio, «castaño»), nos tempos longes de que falo ainda estava viva. De facto, daquela, muitos dos galegos que emigravam prà Argentina ou prà Venezuela, tinham que aprender umha língua que eles nom falavam e nom deixava de lhes ser estranha: o espanhol. A verdade é que há três ou quatro gerações a maioria dos galegos nunca falavam espanhol, nem eram quem de o falar, tirado algumhas expressões aqui e acolâ, necessárias nos eidos da escola, da igreja ou no trato coas autoridades administrativas. Emporisso, o seu galego dava pra entender e, sobretudo, pra se fazerem entender no Brasil.

Isto tem umha explicaçom mui doada: o português provem do galego. E nom só: muitos dos emigrantes portugueses no Brasil originavam do norte de Portugal, zona onde o substrato galego era ainda conservado nos registos falados das persoas. E esses mesmos seus falares passárom a formar parte do português do Brasil. Por isso, da mesma maneira que os galegos, os trasmontanos e os minhotos se entendiam naqueles seus mui próximos falares, os galegos no Brasil nom precisavam aprender umha outra língua, como decerto os italianos, os espanhois, os alemães ou os japoneses precisavam fazer. Ou como os próprios galegos tinham de fazer na Argentina, na Venezuela ou no Uruguay.

E cuido eu hoje que alô da outra banda, no Brasil, meu tio avô, mesmo que tivesse sido «mercado» coma umha vaca loura na feira, seica se sentia o seu próprio patrom ...



Saturday 24 September 2016

Do you know Cristiano Ronaldo? (Aventuras dum galego na Inglaterra)




Os galegos sempre tivemos umha grande vocaçom migratória. Quando as cousas estám difíceis, liscamos, mais do que faguermos revoluições. Na minha família já emigrámos pra muitos lugares e países, uns mais próximos e outros mais longes. Por vezes voltámos, por vezes nom, e assi vam ficando ponlas da família espalhada polo mundo afora. Porém, umha das maiores dificuldades que esta prática espacial acarreta e a do contraste linguístico e cultural vivenciado no lugar de destino. Por vezes ele é menor,  quando alô se
fala umha língua bem conhecida (o espanhol, em Madrid ou em Argentina), ou mui semelhante (o português, em Lisboa ou no Brasil), por vezes ele é maior, quando a língua falada e a cultura som diferentes (na França) ou mui diferentes (na Inglaterra, nos Estados Unidos). O meu caso é o último, e aí continuamos a brigar pra sobreviver. Por exemplo, o idioma inglês, castrapo horripilante onde os houver, tem umha pronúncia enrevesada de todos os diabos. Os costumes dos anglo-saxônios som tamém mui peculiares, de forma que leva algum tempo pra afazer-se a dizer obrigado e de nada cincocentas vezes por dia. A retranca deles, chamada sarcasmo, é o que leva menos tempo a deprender, pois é coma a nossa, embora como que mais distante e sofisticada. As corenta cuncas de chá por dia, as longas seráns do vrao, o ritmo e espírito calmos, tamém demora um tempo a naturalizar (assi como deprender a respeitar as distâncias de 30 milhas náuticas no espaço persoal, ou a acubilhar-se na casa de banho do trem quando passa o revisor, mas lá imos chegando). Em qualquer caso, eu sempre fum de xorne ecléutico, de maneira que só perfilho aquilo que for estritamente necessário ou que me prestar.

No entanto, nesta loita de adaptaçom e sobrevivência contínua, acontece um dia que já nom somos o que adoitavamos ser, têndomonos tornado um híbrido ou mutante, a meio caminho antre o que eramos e o que deveremos ser. Isto é, já nom seriamos quem de nos arranxar na Galiza, ou na Espanha, mas ao mesmo tempo os nossos jeitos e a nossa fala aindam prendem, ficando bem longe daqueles dum castrapo-saxônio indígena. Acontece por isso amiúde que me perguntem de onde som. Esta é umha pergunta delicada. Aliás, mui delicada. Quer eu responda polo nome da minha vila (tam desconhecida aqui coma Pontefract é na Galiza) quer polo da minha naçom («Galithia», em castrapo-saxônio), a resposta seria insuficiente. Ulteriormente, por simples métodos de pescuda deductiva, chegariamos a um lugar bem conhecido: Spain. Pra dissipar as dúvidas, vou ilustrar esse cenário:

Cenário 1:
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... is it in France?
— No, in Spain ... (dito com muita resignaçom)
— Ah, you like your fiesta and sangria, eh? Do you have any bullfighter in your family?
— ...

O equívoco é claro e crasso. Como evitar entom esta percepçom errada da minha natureza nacional? Bem, eu já provei várias outras estratégias, que passo a ilustrar acô em baixo, em formato mais umha vez de cenários:

Cenário 2 (A)
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... is it in Kazakhstan?
— No, it is in Galithia
— You taking the micky? C’mon, you are Italian, arent’ you? Mamma miaaa … (dito cum sotaque italiano bastante ruim e gesticulando à italiana)
— ...

Cenário 2 (B)
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... where is it?
— Accross the water (apontando prà banda do mar)
— Where, the Channel islands? That’s why you speak with a French accent?
— ...

Cenário 2 (C)
— Where are you from, sir?
— From nowhere
— From nowhere? Surely you must come from somewhere …
— Yeah, from Nowhere city, Republic of Nowhere
— Ok, if you don’t want to tell me where you are from it’s all right with me …
—  …

Cenário 2 (D)
— Where are you from, sir?
— Mind your own bussiness
— All right, all right, no need to be rude ...
— And don’t you ever ask again!!


Por tanto, como se pode ver, o problema fica sem resolver. Isto pode parecer que nom tem importância, mas tem-na, e mais do que semelha. Porque na identidade da persoa a naçom é praticamente o primeiro factor em que se repara, sendo aquele que vai em frente de todas as carateristicas identitárias dumha qualquer persoa. Por exemplo, se vos topardes cum indivíduo alieno, digamos dumha vila coma a «Baixia da Estrada Encol-do-Rio», que é onde nasceu o Guilherme Xaquespeira, e lhe pescudardes sobor das suas orígens, e ele vos respostar ser um «baixoestradenseriveiro», haveriades ficar como estavades, em termos de conhecimentos acerca da origem desse indivíduo. Entom poderiades perguntar, «e logho onde queda a baixia essa de onde sondes?», co qual o indivíduo alieno nom teria mas jeito que acabar dizendo, «na Inglaterra» (mesmo que tenha aventurado antes um «na banda do solpôr das Terras do Meio», que pra vós seria como dizer rem). Assi, a partir daí, ele seria pra vós, por força, um «inglês», e do baixio do ribeiro esse já nem haveriades querer ouvir rem. É umha simple questom de simplificaçom preconceituosa, mas é-vos o que há. Por outro lado, mesmo que esse fulano sentisse um grande patriotismo polo seu baixio encol do rio ou polas suas terras do meio, e vos largasse um parrafeio político sobre as suas peculiaridades, especialmente em termos de geografia (física e humana) e falar vernáculo, em contraste enorme coas do resto da Inglaterra, afinal seria mui provável que nom lhe ligássedes davondo e que vos ficássedes co conceito mais simples: «é um inglês» (embora nom de Londres). E este vosso preconceito haveria se consolidar ainda mais quando vos atopardes cum outro morador ou moradora dessas partes do mundo, e nom vos dixer mais ca «eu som inglês / inglesa», sem tentar vos largar qualquer discurso político-cultural nom pedido.

Mas em qualquer caso, pra entrardes num país qualquer, e pra lidar com assuntos oficiais nele, e disso se trata aqui no início, tendes de mostrar o passaporte, que é a prova inequívoca da vossa nacionalidade, ao contrário do sotaque do Cazaquistám ou qualquer outro indício ou aparência. Todas as persoas tenhem de ter umha nacionalidade, nom é? Isto pode ficar ilustrado reproduzindo um outro cenário real nas alfrândegas dum aeroporto da Inglaterra, onde mais dumha vez me pescudárom (sei alô porquê):

Cenário 3 (A):
— Where are you coming from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your aeroplane coming from?
— From continental Europe
— Can I see your passport, please?
— I don’t have a passport (ai!)
— You don’t have a passport … What is your nationality?
— I don’t have a nationality
— You don’t have a nationality … come with me, sir

Cenário 3 (B):
— Where are you coming from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your aeroplane coming from?
— From continental Europe
— Can I see your passport, please?
— Sure, there you have (por agora vou bem)
— You are from Spain ...
— I am Portuguese (já que nom som galego, entom espanhol tampouco!)
— You are Spanish, sir (dito olhando-me de acima a baixo)
— You know better than me, don’t you ... (dito entre os dentes e amolado)
— I beg you pardon?
— Never mind
— Come with me, sir
 ...

Já que logo, e sem ter de dar mais cenários coma exemplo, eu já me venho resignando a aceitar a nacionalidade errada, espanhola neste caso, a cada vez que tenho de tratar de assuntos oficiais ou políticos. Puro pragmatismo. Porém, pra um galego sim que é possível escapar do estigma da calorosa naçom em que se come «paiela» e se fala berrando, quando em situações NOM OFICIAIS. Isto pode ver-se ilustrado no cenário a seguir:

Cenário 4:
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal (dito cum amplo sorriso, o sorriso do quem acha um certo e misterioso prazer em mentir sabendo que nom vai ser apanhado)
— Ah, do you speak Portuguese then?
— Probably
...

E assi, quando pescudado nas situações mais ordinárias da vida, tratando-se dumha simples escolha entre o estigma de ser julgado da naçom das corridas, Málaga e David Deghea, ou da naçom de Cristiano Ronaldo, Mourinho e «Albufiera», eu já figem a minha escolha. Afinal, qual das duas é mais parecida coa galega? Está claro, clarinho: quem é que esta a entender esta minha escrita?

Pro isto nom quer dizer que tudo fique resolvido dumha maneira total, nom. Emporisso, com esta hipotese é muito mais doado lidar cos estigmas, porque, que lhe querem, eu nom me importo muito com que as persoas pensem que som português. E se nom, reparem na hipótese númaro 5, que já me aconteceu varias vezes:

Cenário 5 (A):
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal, I am Portuguese
— Ah, do you know Cristiano Ronaldo?
— Where are you from, mate? (típica pratica galega de responder umha pergunta cumha outra pergunta)
— Me ... ? I’m English ...
— Do you know Wayne Rooney?
...

Cenário 5 (B):
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal, I am Portuguese
— Ah, you look like Mourinho
— Yeah, he’s my cousin
— Really? (sincera e agradavelmente surpreendido)
— ...

Enfim, o problema inicial de identidade ficando resolvido, pareceria que a minha vida de galego emigrante pescudado haveria ir por caminhos mais doados e cómodos. Mas nom. Agora xurdem outros problemas, e nom menos prementes. Porque umha cousa é dizer a um desconhecido qualquer que és português, e outra cousa é dizer-lho aos teus colegas, vizinhos, amigos, etc. Assi, umha cousa vai-che levar a outra, e afinal acabas, como é o meu caso, construindo umha verdadeira «net of lies» (umha rede de mentiras). Por exemplo, perguntam-che sobre o nome dos teus familiares, e irremediavelmente tens de faguer alguns «adjustements» fonéticos. So far no problem. Nomes coma José, Carlos ou Manuel som praticamente iguais em Portugal e na Galiza. Mas quando se vai profundando nas relações e te achas a falar de histórias da tua vida, esses «adjustments» vam-se fazendo mais complicados e enleando a cada vez. Por exemplo, podes falar da tua experiência laboral e de vida em geral em Madrid nos mesmos termos que acontecérom na realidade, só que mudando o nome da empresa e dalgumha persoa. Mas antes disso foi necessário faguer algumhas pescudas sobre Lisboa na internet, pra nom cometer algum erro «suspeito». Ou mesmo ir visitar essa cidade (sim, mentir pode vir a custar mui caro). Tamém tens de mentir muito quando te perguntam como se diz na tua língua tal ou tal cousa e, nom sendo português, nom sabes a resposta. Desta maneira, ao longo destes anos eu venho largando acotio verbas galegas ou inventadas («argalhada», «botar um foguete», «beira-rua», «carracha eleutrônica») e fazendo-as passar por portuguesas, porque a alternativa seria fazer-se de xordo ou mostrar mui más maneiras («how do you say “pendrive“ in Portuguese? Look it up in the dictionary, mate, don’t be so lazy!»). E segundo a mentira sobre o meu passado português se vai complicando e incrementando, os efectos acumulativos sobre a minha memória começam tamém a pesar. Por isso é fulcral ir tirando apontamentos. Do que se diz, do que se dixo errado e a quem se dixo, do que deve ser retificado quando o ensejo xurdir, do que se poderá dizer no futuro. É umha grande argalhada, como só um galego poderia argalhar. Mas já expliquei polo miúdo os efeitos de nom assumir umha nacionalidade, ou de assumir a nacionalidade errada. As persoas precisam dumha nacionalidade, porque se nom a tens, ficam perdidos, nom sabem como tratar contigo. Poderia ocorrer mesmo que che tratassem coma um refugiado, com dó ou desprezo, asegum. Se fosse por mim, eu nom teria problema algum em ficar apátrida, ou por fazer-me de albanês ou caralhistano, mas já ilustrei acima os problemas coa lei que derivariam dessa identidade fictícia. Por enquanto, estou aqui entalado coa minha pretensa portuguesidade. E continuo a pescudar nela.

Em qualquer caso, cumpre ter presente a todo momento que, como di o adágio, nom por repetir muito umha mentira ela se torna verdade. Mesmo que na foto identificativa que me tirárom recentemente no emprego saísse cumha cara de português de muito nabo. Será que estarei a somatizar as minhas mentiras? Ou será possível que, como di um outro adágio, umha mentira repetida muitas vezes acaba por se tornar verdade?




















Thursday 15 September 2016

O NOSSO NORTE

Caminhando polo meio dumha chaira, larga e verde como eu imaginava o nosso sul, vou lendo novos nomes velhos, agochados entre pinheiros. Respiro e sento um arrecendo de sardinhas assadas, e ao longe ouço falares como que galegos ...
A airexa constante desarruma os meus cabelos, mas este sol já nom me queima. Aqui, o profundo tornou-se familiar e nom se esconde. E eu rubo ao alto dos castelos, a espreitar o oceano português ...
E cuido: Nom fomos nós que perdemos o Sul, foi o Sul que se tornou Norte.


Sunday 28 August 2016

EL NACIONALISMO NO SE CURA VIAJANDO (Aventuras dum galego em Lisboa)

Velaqui o adágio, mas em versom afirmativa, que soia ouvir-se no meu entorno familiar (quando eu tinha um) assi que qualquer persoa, de dentro ou de fora, falava em defesa da língua ou cultura galega. Os galeguistas eram gente coma os comunistas, ou quase (tam ruins). O nacionalismo, fosse galego, basco ou catalám, era umha espécie de tribalismo, umha ideologia embiguista e negativa que ia contra o progresso natural da humanidade. O galego estava bem pra falar na rua, pràs cantigas e o folklore, mas tentar impô-lo à gente que nom o falava (ou nom queria falá-lo) era umha treta que nom tinha nengumha justificaçom. O mundo era mui grande, e pra viajar por ele, se se quiser melhorar na vida, o que cumpria falar era o inglês ou o francês, pra além do espanhol, claro.

No entanto, o galego estava bem vivo na minha vila, e era o único idioma falado nas aldeias circundantes. Os lugares, as persoas, os animais e as cousas vegetais e naturais ou minerais tinham ainda nomes galegos. Era impossível nom embater no galego a quase cada momento do dia, mesmo quando falavamos os que nom o sabiamos. E nom só: essa fala era a da gente mais probe, a fala dos labregos. Foi-me impossível nom amá-la, e quando os kilómetros e os anos me arredárom da Espanha e do espanhol, a fala de meus avôs xurdiu coma umha ilha maravilhosa, terra virgem ateigada de possibilidades, no meio do oceano europeu. Ao lado do inglês, do francês ou do italiano, o galego recuperava a sua nobreza. A sombra do castelám, ou espanhol, nom o agochava nem tingia os seus ecos milenares com acentos supostamente civilizados.

Mas da mesma maneira que o destino me arredou do espanhol, ele me aproximou do português. Em qualquer caso, cumpre dizer que, sendo raioto como som, o português nunca me foi alheio nem estrangeiro. Aliás, essa promiscuidade galego portuguesa em que eu aprendim a nossa fala, tirou-me qualquer pudor e escrúpulo de xorne espanholista e semeou em mim umha funda suspeita e até desgosto polas correntes codificadoras de corte compostelana, ou seja, espanhol.

E velaqui que hoje me encontro meio perdido a profundar no infindável túnel do coelho. Acô em Portugal, em Lisboa, nom preciso de abrir as minhas vogais, como eu tinha de fazer em Madrid, ao contrário. O parrafeio «pailám», o falar galego autêntico, que nom é bem visto na própria Galiza, aqui soa mais natural e entende-se bem. Por vezes penso no que eu nom daria por poder recuar aos tempos em que milheiros de galegos trabalhavam em Lisboa, pra vê-los interagir cos lisboetas, sem terem de agochar a sua fala. Tempos duros aqueles: trabalhavam que nem um galego.

Mas os meus tempos som de turismo: eu nom som pago pra carregar auga ou qualquer outra mercadoria, senom que som eu que paga por elas. E em Lisboa sinto-me à vontade. Adoito (= habituado) a falar e ouvir a todo tempo o castrapo anglo-saxônio, fala que ainda nom me deixa de ser estranha, chegar a um lugar (ainda que seja por umhas férias) onde poder falar o galego, mesmo aportuguesado, é quase umha esmorga. Bevo cos olhos as escritas polas ruas, compro jornais e revistas, peço cousas nas lojas e bares, ouço os falares, e sinto-me coma na casa. Ainda há quem me fale inglês, deve ser a minha pinta de turista, mas assi que se decatam de que eu falo a língua vernácula voltam decontado a ela, e eu aprendo de cada um deles repetindo as parolas que pronunciam, e mesmo puxo no xiado e sinto um estranho prazer, como que clandestino, no meu pechar as vogais: eu cuidava que isso era proibido numha cidade, mas nesta, aliás neste país, é a norma.

No entanto, nom levou muito tempo pra me decatar de que eu nom era o único espanhol à vontade em Lisboa. Porque entre os muitos turistas que pululam pola cidade olisipona, há umha cheia de espanhois, todos a falar espanhol mui à vontade. Umha fala mui cacofónica, a dos espanhois. Mas os lisboetas entendem-na bastante bem, embora pareça ser o inglês o que melhor dominam. Povo poliglota, o destes galegos do sul, aberto ao mar, hospitaleiro, de xorne humilde e cortês.

Um dia de muito sol decido ir no barquinho do Tejo. Compro o bilhete, perto da Praça do Comércio, e mandam-me pra um cais ali ao lado. Já há persoas à espera. O barco ainda nom chegou, mas cumpre ir colocando-se bem, porque eu quero ir na borda, pra desfrutar do ar e das augas do Tejo. Segundo a espera se demora mais turistas coma mim vam chegando, e aquilo vai-se enchendo de gente. A maioria das persoas parece relaxada, a falarem casualmente, mas eu nom quero perder um posto na borda, de modo que me vou deslocando cara a frente, mui à galega, coma se de nada fosse. Consigo ultrapassar alguns turistas que estavam antes de mim, mas que lhe querem, pagar nom sei quantos pesos pra ficar no meio do barco a vê-las vir nom é o meu choio! Em qualquer caso, passados alguns minutos, observo umha espécie de discussom à frente da fila (se àquilo se pode chamar fila, pois era mais bem um molho de persoas amoreadas). Entom chegam os empregados, enfiando-se polo meio daquela multitude de tagidófilos: uns vam cara o barco, um levanta a barreira e dous ou três começam a pedir o bilhete pra fazer passar a gente. Mas, ai, acontece nesse mesminho instante que um fulano, o que estava no centro daquela discussom à frente, e que nom estava mui contente coa organizaçom deste evento, se coloca no meio pra blocar o acesso ao barco (!?) E nom só: começa um parrafeio, EM ESPANHOL, sobre a conveniência de umha melhor organizaçom e sobre a sacanice de muitos dos presentes ali, que iam deslocando-se prà frente mui renartes e aleutos. Chamou-nos «listillos». Eu, como tinha os óculos de sol e o bonê (co escudo de Portugal) bem afundido quase até os olhos (como medidas de proteçom solar) nom precisei de agochar-me ou de dizer nada. Limitei-me a olhar à volta; havia ali turistas ingleses, franceses, alemães, talvez holandeses, italianos, brasileiros ... mas espanhol, por esta vez, nom havia, tirado o Generalísimo aquele ... e eu. Acho que era eu o único que entendia o que falava, mas nom era na minha ideia falar espanhol em Lisboa, e de resto eu era o maior batoteiro naquela multidom. No entanto, a situaçom divertia-me davondo, porque o fulano nom parecia decatar-se de que o persoal nom entendia nem papa do que falava, nem queria entender, e ainda por riba um dos alvos das suas críticas era um par de senhoras inglesas na frente, tam trapaceiras coma mim. Muito Brexit por aqui e por acolâ, mas o respeito polas filas birtânicas já se perdeu, o qual é algo que eu nom precisava assistir em Lisboa (e de resto, isso do fair play dos britâncios é um mito: eles sempre fam batota quando se sentem seguros de nom serem apanhados).

Enfim, o passeio polo Tejo foi óptimo, e tanto eu coma a gente envolvida no episôdio conseguimos sentar a carom da borda. Mas afinal, o que aquele espanhol rabeado decerto nom comprendeu é que mesmo que aquelas persoas entenderam e falaram o espanhol, nom haveriam retrucar-lhe, porque o que se costuma faguer em Madrid (debater descontraidamente e rifar em público por cousas insubstanciais) nom necessariamente se costuma noutros lugares. Nom na minha terra de hoje, nom na da minha naçom, e tamém nom em Lisboa. Mas há que nem viajando se cura do seu nacionalismo ...





Friday 11 March 2016

BILHETE DE IDA E VOLTA



Era umha assoalhada manhã de inverno, e eu descia apressado cara a estaçom do caminho de ferro. As ruas desta minha cidade cotoeira estavam ainda molhadas da choiva da noite. Achegando-me a um desses homes que vendem os bilhetes à entrada dos cais, resolvim falar-lhe na minha melhor fala da terra, pra ver se desta vez me percebiam sem eu ter de repetir ou de proclamar a minha estrangeirice. Questom de fazer da compra dum bilhete de trem de ida e volta prà capital do condado um exercício tam normal coma o da compra dum saco de batatas no mercado da vila onde me nascérom, lá nas Terras Quentes do Sul. Hello, a return ticket to Cam-ches-ter  (chapodei bem no nome, como costumam fazer os enxebres d’eiqui), please. O home, de escura aparência, como qualquer um desses asiáticos que chamam eiqui em contraposiçom dos “brancos“ (que som mais bem rosados), e que tanto adoitam trabalhar nesses negócios em que se trocam papeizinhos de cores por cartonzinhos doutras cores, ficou a olhar pra mim, coma se abraiado por qualquer cousa, e mesmo semelhava que andava a esculcar na minha pretensa casual olhada. A sensaçom de incomodidade ou de insegurança que me foi vencendo, perante esse percebido escrutínio da minha ialma, e que decerto ele albiscou no fondal dos meus olhos, tornou-se em surpresa quando à minha demanda se seguiu umha resposta no que semelhou ser umha língua mui familiar: dois e quarenta e cinco. Era isso que eu percebera, dois e quarenta e cinco. Sabendo moi bem eu que nom estava numha qualquer estaçom das terras quentes do sul, dei em pensar que nom devia ter ouvido bem: sorry?, dixem, como pra confirmar a minha pressuposta ilusom auditiva. A resposta que veu a seguir já nom deixou dúvida nengumha enquanto às minhas questionadas (apenas por mim) habilidades auditivas ou perceptivas: são dois e quarenta e cinco. (Como?, dixem eu pra mim, enquanto o home continuava a me-fitar nos olhos — e tal fazia coa expressom de quem vem de descobrir um conhecido ou um conterrâneo entre a multidom anónima dos homes estrangeiros — ele-dixo « dous e corentecinco »?)
Procurando os quartos no meu porta-moedas falei-lhe na fala das terras do sul : 


Ah, fala gal ... português? ... ... 
Falo, sim ... 
... Ah ... e lo’ ... entom é brasileiro ou ... 
... Indiano, de Goa... ... dixo ele, oferecendo a mao em cunca sem deixar de me-olhar. 
Ah ... muito bem ... aí tem  (dei-lhe um bilhete de cinco livras) ... obrigadinho ...  Já está pra chegar ...  Adeus ... 
... Adeus, boa viagem ... 

e botei a correr cara o cais, donde já se ouvia o bruído do meu comboio que, vindo das vilas do norte do condado, entrava na estaçom, eu abraiado como estava de ter sido apanhado na minha galeguice, acô na ilha de Alba. Decerto que o home deveu enxergar qualquer cousa no meu sotaque, e mesmo na minha pinta de galego, que lhe fixo pensar que era um português quem lhe pedira um bilhete de ida e volta prà capital metropolitana do condado. E decerto que aló, em Goa, muito mais prò sul do que a minha terra, e tamém muito mais prò leste, nem teria ouvido falar dela. Emporisso, ele dexergou algo do seu em mim, quando eu nunca ousara imaginar que um home de terras ainda mais longínquas e quentes do que as minhas fosse me-reconhecer como alguém com quem partilhar os seus falares escuros, acô nas frias terras ilhegas de Alba.



Pensando nestas e noutras cousas tam mundanas cheguei ao meu destino, fixem as cousas que tinha a fazer na grande cidade, sem ter de falar com homem ninguém, pr’além do troco de papeis ou dalgum monossílabo na lingua saxona — que mesmo se tiver sido proferido numha outra qualquer nom teria mudado nada pra mim, nem pr’o meu interlocutor — e ao final do dia peguei no comboio de volta prà minha cidá cotoeira. Chegado à saída do corredor onde mercara o meu bilhete, na estaçom de partida, nom ficava lá mais ninguém pra conferir se os viajantes que voltavam tinham comprado os bilhetes, ou se polo contrário eram desses homens que querem viajar de balde, por nom terem papeizinhos de cores dabondo pra trocar por cartoniznhos, ou, ainda tendo-os, quererem conservá-los ou trocá-los por outras cousas (mesmo ao risco de serem presos ou de terem de largar mais logo umha ainda muito maior quantidade dos seus queridíssimos papeizinhos). Aló apenas havia um desses mendigos que sentam no chao cumha pucha na cachola a lhes agachar os olhos e que segundo os viageiros passam por diante deles pedem-lhes se tenhem qualquer troco, mais metálico ca em papel, que os de papel nom som doados de conseguir, e ainda menos de oferecer, pra lhes dar, compangueiro. Eu dixem-lhe que sim e, mesmo sendo algo novo e afoutado em mim, ousei parar a minha marcha apressada cara nengures, e olhar nos olhos daquele home, tal coma o trocador de Goa fixera nos meus ao começo daquele dia que agora semelhava como que um século atrás. Ao tempo que eu escoava umhas peças metálicas no copo de plástico que o compangueiro alevantara pra mim, iamos contando, ele e mais eu, o seu valor, sem falarmos, simplesmente olhando pra elas, eu coma quem teme que o valor que me levam seja demasiado grande, e ele como quem teme exactamente o contrário. Ai tes, compangueiro, pr’um cafezinho, dixem-lhe eu enxergando na sua olhada castanha; muitas beiçom, compangueiro, cuida bem de ti, dixo ele, enquanto eu seguia a olhar nos seus olhos desinteresseiros e sinceros coma os dum cativo, o cativo que ele era. 

E de todo este troco de palavras, cujo significado é tam preciso como venho de expor aqui, embora o muito tempo passado desde aquele dia poida fazer questionar a sua exactidom, nunca conseguim eu lembrar em que língua ou fala foi conduzido, mesmo que eu queira pensar que foi esta mesma galega que venho de escrever acima em itálico. Mas afinal tanto me tem, estas como quaisquer outras, porque eu tenho pra mim que há apenas duas liguagens que contam entre os homens. Umha é a linguagem dos sons, o das palavras, que por vezes até conseguimos pôr em papel, dumha maneira mais ou menos adequada segundo quem as diz e como as diz, e que nom é mais ca o pretexto pra qualquer outra cousa incógnita ou banal. E a outra é a linguagem que importa de verdade, a única que importa, e que lemos no fondal dos olhos dos homes, quando está do fado que tal maravilhosa cousa façamos, pra vermos nele a reflexom dos olhos próprios, de volta, num dia qualquer de inverno, quanto mais ao longe, na ilha de Alba.






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                                 DIALECTOLOGIA 

Reconstruiçom do esquisito troco de palavras que teve lugar entre um galego e um indiano de Goa à entrada d’umha estaçom de caminhos de ferro da Lancaxaira, na fria e bretemosa ilha d’Alba, co galho da compra dum bilhete de ida e volta pra industriosa cidade de Camchester, no cor do grande condado lancaxairo, e que se produziu inteiramente numha fala incompreensível pr’os moradores destas partes afastadas e nom muito assoalhadas do mundo, a lingoagem galega das longínquas terras quentes do sul. 

Galego (falando pra si): 
... fai um sol de caralho hoje ... bom, imos ver se desta vez me entendem sem ter eu de repetir ... vou-lhes pôr o sotaque d’eiqui, a ver se assim me percebem d’umha puta vez ... ehem ... imos lá ... ehem ... (dirigindo-se cara o primeiro trocador que ve no corredor) hello, can I have a return ticket to Cam-ches-ter, please? ...

Indiano de Goa: 
Dois e quarenta e cinco ...

Galego (falando pra si todo abraiado): 
Ele-falou galego?

Galego (falando já pr’o indiano de Goa): 
Sorry?

Indiano de Goa: 
São dois e quarenta e cinco.

Galego (falando pra si): 
Sim que falou galego, dixo dous e corentacinco! Ele-nom pode ser!

Galego (falando pr’o indiano de Goa): 
Ah, fala gal ... português?

Indiano de Goa
Falo, sim (esculcando nos olhos do galego)

Galego: 
Ah ... e lo’ ... entom é brasileiro ou ... ...

Indiano de Goa (oferecendo a mão em cunca pra recadar o dinheiro polo bilhete e sem deixar de olhar pr’os olhos do galego): 
Indiano, de Goa.

Galego: 
Ah ... muito bem ... aí tem  (dá-lhe um bilhete de cinco livras, recebe o troco, que o indiano de Goa lhe dá sem deixar de fitar nos olhos) ... obrigadinho ... Já está pra chegar ...  Adeus 

Indiano de Goa (já voltado cara o próximo viageiro): 
Adeus, boa viagem.

Galego (correndo polo corredor em diante e falando pra si): 
Manda caralho que quero eu falar o saxon mais aperfeiçoado e vou dar c’um que fala galego. Ele-como faria pra saber que eu era galego ... ?!
Ele-nom diria bem o nome da cidade? Cam-ches-ter, Cam-ches-ter ...





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                                GEOGRAFIAS AO LONGE

Terras quentes do sul donde veu o galego que mercou o bilhete do comboio de ferro de ida e volta pr’a cidade de Camchester, na fria ilha de Alba, a um indiano de Goa, que lhe falou galego:




Terras ainda mais quentes e mais pr’o sul (e ainda pro Leste) donde veu o indiano que vendeu um bilhete de ida e volta do comboio de ferro pr’a cidade de Camchester, na fria ilha de Alba, a um galego, que lhe falou galego:




Terras frias da bretemosa ilha d’Alba, onde vive o albano que pediu um troco a um galego que por aló passava, na fala saxona dos albanos ou seica em galego, num asoalhado dia d’inverno (com as ruas ainda molhadas da choiva da noite):