Os galegos sempre tivemos umha grande vocaçom migratória. Quando as cousas estám difíceis, liscamos, mais do que faguermos revoluições. Na minha família já emigrámos pra muitos lugares e países, uns mais próximos e outros mais longes. Por vezes voltámos, por vezes nom, e assi vam ficando ponlas da família espalhada polo mundo afora. Porém, umha das maiores dificuldades que esta prática espacial acarreta e a do contraste linguístico e cultural vivenciado no lugar de destino. Por vezes ele é menor, quando alô se
fala umha língua bem conhecida (o espanhol, em Madrid ou em Argentina), ou mui semelhante (o português, em Lisboa ou no Brasil), por vezes ele é maior, quando a língua falada e a cultura som diferentes (na França) ou mui diferentes (na Inglaterra, nos Estados Unidos). O meu caso é o último, e aí continuamos a brigar pra sobreviver. Por exemplo, o idioma inglês, castrapo horripilante onde os houver, tem umha pronúncia enrevesada de todos os diabos. Os costumes dos anglo-saxônios som tamém mui peculiares, de forma que leva algum tempo pra afazer-se a dizer obrigado e de nada cincocentas vezes por dia. A retranca deles, chamada sarcasmo, é o que leva menos tempo a deprender, pois é coma a nossa, embora como que mais distante e sofisticada. As corenta cuncas de chá por dia, as longas seráns do vrao, o ritmo e espírito calmos, tamém demora um tempo a naturalizar (assi como deprender a respeitar as distâncias de 30 milhas náuticas no espaço persoal, ou a acubilhar-se na casa de banho do trem quando passa o revisor, mas lá imos chegando). Em qualquer caso, eu sempre fum de xorne ecléutico, de maneira que só perfilho aquilo que for estritamente necessário ou que me prestar.
No entanto, nesta loita de adaptaçom e sobrevivência
contínua, acontece um dia que já nom somos o que adoitavamos ser, têndomonos
tornado um híbrido ou mutante, a meio caminho antre o que eramos e o que
deveremos ser. Isto é, já nom seriamos quem de nos arranxar na Galiza, ou na
Espanha, mas ao mesmo tempo os nossos jeitos e a nossa fala aindam prendem, ficando
bem longe daqueles dum castrapo-saxônio indígena. Acontece por isso amiúde que
me perguntem de onde som. Esta é umha pergunta delicada. Aliás, mui delicada.
Quer eu responda polo nome da minha vila (tam desconhecida aqui coma Pontefract
é na Galiza) quer polo da minha naçom («Galithia», em castrapo-saxônio), a
resposta seria insuficiente. Ulteriormente, por simples métodos de pescuda deductiva,
chegariamos a um lugar bem conhecido: Spain. Pra dissipar as dúvidas, vou
ilustrar esse cenário:
Cenário 1:
— Where are you from,
sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard
... is it in France?
— No, in Spain ... (dito com muita resignaçom)
— Ah, you like your
fiesta and sangria, eh? Do you have any bullfighter in your family?
— ...
O equívoco é claro e crasso. Como evitar entom esta percepçom
errada da minha natureza nacional? Bem, eu já provei várias outras estratégias,
que passo a ilustrar acô em baixo, em formato mais umha vez de cenários:
Cenário 2 (A)
— Where are you from,
sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard
... is it in Kazakhstan?
— No, it is in Galithia
— You taking the micky?
C’mon, you are Italian, arent’ you? Mamma miaaa … (dito cum sotaque italiano bastante ruim e gesticulando à
italiana)
— ...
Cenário 2 (B)
— Where are you from,
sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard
... where is it?
— Accross the water (apontando prà banda do mar)
— Where, the Channel
islands? That’s why you speak with a French accent?
— ...
Cenário 2 (C)
— Where are you from,
sir?
— From nowhere
— From nowhere? Surely
you must come from somewhere …
— Yeah, from Nowhere
city, Republic of Nowhere
— Ok, if you don’t want
to tell me where you are from it’s all right with me …
— …
Cenário 2 (D)
— Where are you from,
sir?
— Mind your own
bussiness
— All right, all right,
no need to be rude ...
— And don’t you ever
ask again!!
Por tanto, como se pode ver, o problema fica sem resolver.
Isto pode parecer que nom tem importância, mas tem-na, e mais do que semelha.
Porque na identidade da persoa a naçom é praticamente o primeiro factor em que
se repara, sendo aquele que vai em frente de todas as carateristicas identitárias
dumha qualquer persoa. Por exemplo, se vos topardes cum indivíduo alieno,
digamos dumha vila coma a «Baixia da Estrada Encol-do-Rio», que é onde nasceu o
Guilherme Xaquespeira, e lhe pescudardes sobor das suas orígens, e ele vos respostar
ser um «baixoestradenseriveiro», haveriades ficar como estavades, em termos de
conhecimentos acerca da origem desse indivíduo. Entom poderiades perguntar, «e
logho onde queda a baixia essa de onde sondes?», co qual o indivíduo alieno nom
teria mas jeito que acabar dizendo, «na Inglaterra» (mesmo que tenha aventurado
antes um «na banda do solpôr das Terras do Meio», que pra vós seria como dizer
rem). Assi, a partir daí, ele seria pra vós, por força, um «inglês», e do
baixio do ribeiro esse já nem haveriades querer ouvir rem. É umha simple
questom de simplificaçom preconceituosa, mas é-vos o que há. Por outro lado,
mesmo que esse fulano sentisse um grande patriotismo polo seu baixio encol do
rio ou polas suas terras do meio, e vos largasse um parrafeio político sobre as
suas peculiaridades, especialmente em termos de geografia (física e humana) e
falar vernáculo, em contraste enorme coas do resto da Inglaterra, afinal seria
mui provável que nom lhe ligássedes davondo e que vos ficássedes co conceito
mais simples: «é um inglês» (embora nom de Londres). E este vosso preconceito
haveria se consolidar ainda mais quando vos atopardes cum outro morador ou
moradora dessas partes do mundo, e nom vos dixer mais ca «eu som inglês /
inglesa», sem tentar vos largar qualquer discurso político-cultural nom pedido.
Mas em qualquer caso, pra entrardes num país qualquer, e
pra lidar com assuntos oficiais nele, e disso se trata aqui no início, tendes de
mostrar o passaporte, que é a prova inequívoca da vossa nacionalidade, ao
contrário do sotaque do Cazaquistám ou qualquer outro indício ou aparência. Todas
as persoas tenhem de ter umha nacionalidade, nom é? Isto pode ficar ilustrado
reproduzindo um outro cenário real nas alfrândegas dum aeroporto da Inglaterra,
onde mais dumha vez me pescudárom (sei alô porquê):
Cenário 3 (A):
— Where are you coming
from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your
aeroplane coming from?
— From continental
Europe
— Can I see your
passport, please?
— I don’t have a
passport (ai!)
— You don’t have a
passport … What is your nationality?
— I don’t have a
nationality
— You don’t have a
nationality … come with me, sir
Cenário 3 (B):
— Where are you coming
from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your
aeroplane coming from?
— From continental
Europe
— Can I see your
passport, please?
— Sure, there you have (por agora vou bem)
— You are from Spain
...
— I am Portuguese (já que nom som galego, entom espanhol tampouco!)
— You are Spanish, sir (dito olhando-me de acima a baixo)
— You know better than
me, don’t you ... (dito entre os dentes e
amolado)
— I beg you pardon?
— Never mind
— Come with me, sir
...
Já que logo, e sem ter de dar mais cenários coma exemplo, eu
já me venho resignando a aceitar a nacionalidade errada, espanhola neste caso,
a cada vez que tenho de tratar de assuntos oficiais ou políticos. Puro
pragmatismo. Porém, pra um galego sim que é possível escapar do estigma da calorosa
naçom em que se come «paiela» e se fala berrando, quando em situações NOM
OFICIAIS. Isto pode ver-se ilustrado no cenário a seguir:
Cenário 4:
— Where are you from,
sir?
— I am from Portugal (dito cum amplo sorriso, o sorriso do quem acha um certo e
misterioso prazer em mentir sabendo que nom vai ser apanhado)
— Ah, do you speak
Portuguese then?
— Probably
...
E assi, quando pescudado nas situações mais ordinárias da
vida, tratando-se dumha simples escolha entre o estigma de ser julgado da naçom
das corridas, Málaga e David Deghea, ou da naçom de Cristiano Ronaldo, Mourinho
e «Albufiera», eu já figem a minha escolha. Afinal, qual das duas é mais
parecida coa galega? Está claro, clarinho: quem é que esta a entender esta minha
escrita?
Pro isto nom quer dizer que tudo fique resolvido dumha
maneira total, nom. Emporisso, com esta hipotese é muito mais doado lidar cos
estigmas, porque, que lhe querem, eu nom me importo muito com que as persoas
pensem que som português. E se nom, reparem na hipótese númaro 5, que já me aconteceu
varias vezes:
Cenário 5 (A):
— Where are you from,
sir?
— I am from Portugal, I
am Portuguese
— Ah, do you know
Cristiano Ronaldo?
— Where are you from,
mate? (típica pratica galega de
responder umha pergunta cumha outra pergunta)
— Me ... ? I’m English
...
— Do you know Wayne
Rooney?
...
Cenário 5 (B):
— Where are you from,
sir?
— I am from Portugal, I
am Portuguese
— Ah, you look like
Mourinho
— Yeah, he’s my cousin
— Really? (sincera e agradavelmente surpreendido)
— ...
Enfim, o problema inicial de identidade ficando resolvido,
pareceria que a minha vida de galego emigrante pescudado haveria ir por
caminhos mais doados e cómodos. Mas nom. Agora xurdem outros problemas, e nom
menos prementes. Porque umha cousa é dizer a um desconhecido qualquer que és
português, e outra cousa é dizer-lho aos teus colegas, vizinhos, amigos, etc.
Assi, umha cousa vai-che levar a outra, e afinal acabas, como é o meu caso,
construindo umha verdadeira «net of lies» (umha rede de mentiras). Por exemplo,
perguntam-che sobre o nome dos teus familiares, e irremediavelmente tens de
faguer alguns «adjustements» fonéticos. So far no problem. Nomes coma José,
Carlos ou Manuel som praticamente iguais em Portugal e na Galiza. Mas quando se
vai profundando nas relações e te achas a falar de histórias da tua vida, esses
«adjustments» vam-se fazendo mais complicados e enleando a cada vez. Por
exemplo, podes falar da tua experiência laboral e de vida em geral em Madrid
nos mesmos termos que acontecérom na realidade, só que mudando o nome da
empresa e dalgumha persoa. Mas antes disso foi necessário faguer algumhas
pescudas sobre Lisboa na internet, pra nom cometer algum erro «suspeito». Ou
mesmo ir visitar essa cidade (sim, mentir pode vir a custar mui caro). Tamém
tens de mentir muito quando te perguntam como se diz na tua língua tal ou tal
cousa e, nom sendo português, nom sabes a resposta. Desta maneira, ao longo
destes anos eu venho largando acotio verbas galegas ou inventadas («argalhada»,
«botar um foguete», «beira-rua», «carracha eleutrônica») e fazendo-as passar
por portuguesas, porque a alternativa seria fazer-se de xordo ou mostrar mui
más maneiras («how do you say “pendrive“ in Portuguese? Look it up in the dictionary,
mate, don’t be so lazy!»). E segundo a mentira sobre o meu passado português se
vai complicando e incrementando, os efectos acumulativos sobre a minha memória começam
tamém a pesar. Por isso é fulcral ir tirando apontamentos. Do que se diz, do
que se dixo errado e a quem se dixo, do que deve ser retificado quando o ensejo
xurdir, do que se poderá dizer no futuro. É umha grande argalhada, como só um
galego poderia argalhar. Mas já expliquei polo miúdo os efeitos de nom assumir
umha nacionalidade, ou de assumir a nacionalidade errada. As persoas precisam
dumha nacionalidade, porque se nom a tens, ficam perdidos, nom sabem como
tratar contigo. Poderia ocorrer mesmo que che tratassem coma um refugiado, com
dó ou desprezo, asegum. Se fosse por mim, eu nom teria problema algum em ficar
apátrida, ou por fazer-me de albanês ou caralhistano, mas já ilustrei acima os
problemas coa lei que derivariam dessa identidade fictícia. Por enquanto, estou
aqui entalado coa minha pretensa portuguesidade. E continuo a pescudar nela.
Em qualquer caso, cumpre ter presente a todo momento que,
como di o adágio, nom por repetir muito umha mentira ela se torna verdade.
Mesmo que na foto identificativa que me tirárom recentemente no emprego saísse cumha cara de português de muito nabo. Será que estarei a somatizar as minhas
mentiras? Ou será possível que, como di um outro adágio, umha mentira repetida
muitas vezes acaba por se tornar verdade?
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