Saturday 24 September 2016

Do you know Cristiano Ronaldo? (Aventuras dum galego na Inglaterra)




Os galegos sempre tivemos umha grande vocaçom migratória. Quando as cousas estám difíceis, liscamos, mais do que faguermos revoluições. Na minha família já emigrámos pra muitos lugares e países, uns mais próximos e outros mais longes. Por vezes voltámos, por vezes nom, e assi vam ficando ponlas da família espalhada polo mundo afora. Porém, umha das maiores dificuldades que esta prática espacial acarreta e a do contraste linguístico e cultural vivenciado no lugar de destino. Por vezes ele é menor,  quando alô se
fala umha língua bem conhecida (o espanhol, em Madrid ou em Argentina), ou mui semelhante (o português, em Lisboa ou no Brasil), por vezes ele é maior, quando a língua falada e a cultura som diferentes (na França) ou mui diferentes (na Inglaterra, nos Estados Unidos). O meu caso é o último, e aí continuamos a brigar pra sobreviver. Por exemplo, o idioma inglês, castrapo horripilante onde os houver, tem umha pronúncia enrevesada de todos os diabos. Os costumes dos anglo-saxônios som tamém mui peculiares, de forma que leva algum tempo pra afazer-se a dizer obrigado e de nada cincocentas vezes por dia. A retranca deles, chamada sarcasmo, é o que leva menos tempo a deprender, pois é coma a nossa, embora como que mais distante e sofisticada. As corenta cuncas de chá por dia, as longas seráns do vrao, o ritmo e espírito calmos, tamém demora um tempo a naturalizar (assi como deprender a respeitar as distâncias de 30 milhas náuticas no espaço persoal, ou a acubilhar-se na casa de banho do trem quando passa o revisor, mas lá imos chegando). Em qualquer caso, eu sempre fum de xorne ecléutico, de maneira que só perfilho aquilo que for estritamente necessário ou que me prestar.

No entanto, nesta loita de adaptaçom e sobrevivência contínua, acontece um dia que já nom somos o que adoitavamos ser, têndomonos tornado um híbrido ou mutante, a meio caminho antre o que eramos e o que deveremos ser. Isto é, já nom seriamos quem de nos arranxar na Galiza, ou na Espanha, mas ao mesmo tempo os nossos jeitos e a nossa fala aindam prendem, ficando bem longe daqueles dum castrapo-saxônio indígena. Acontece por isso amiúde que me perguntem de onde som. Esta é umha pergunta delicada. Aliás, mui delicada. Quer eu responda polo nome da minha vila (tam desconhecida aqui coma Pontefract é na Galiza) quer polo da minha naçom («Galithia», em castrapo-saxônio), a resposta seria insuficiente. Ulteriormente, por simples métodos de pescuda deductiva, chegariamos a um lugar bem conhecido: Spain. Pra dissipar as dúvidas, vou ilustrar esse cenário:

Cenário 1:
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... is it in France?
— No, in Spain ... (dito com muita resignaçom)
— Ah, you like your fiesta and sangria, eh? Do you have any bullfighter in your family?
— ...

O equívoco é claro e crasso. Como evitar entom esta percepçom errada da minha natureza nacional? Bem, eu já provei várias outras estratégias, que passo a ilustrar acô em baixo, em formato mais umha vez de cenários:

Cenário 2 (A)
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... is it in Kazakhstan?
— No, it is in Galithia
— You taking the micky? C’mon, you are Italian, arent’ you? Mamma miaaa … (dito cum sotaque italiano bastante ruim e gesticulando à italiana)
— ...

Cenário 2 (B)
— Where are you from, sir?
— I’m from «Galithia»
— Galithia? Never heard ... where is it?
— Accross the water (apontando prà banda do mar)
— Where, the Channel islands? That’s why you speak with a French accent?
— ...

Cenário 2 (C)
— Where are you from, sir?
— From nowhere
— From nowhere? Surely you must come from somewhere …
— Yeah, from Nowhere city, Republic of Nowhere
— Ok, if you don’t want to tell me where you are from it’s all right with me …
—  …

Cenário 2 (D)
— Where are you from, sir?
— Mind your own bussiness
— All right, all right, no need to be rude ...
— And don’t you ever ask again!!


Por tanto, como se pode ver, o problema fica sem resolver. Isto pode parecer que nom tem importância, mas tem-na, e mais do que semelha. Porque na identidade da persoa a naçom é praticamente o primeiro factor em que se repara, sendo aquele que vai em frente de todas as carateristicas identitárias dumha qualquer persoa. Por exemplo, se vos topardes cum indivíduo alieno, digamos dumha vila coma a «Baixia da Estrada Encol-do-Rio», que é onde nasceu o Guilherme Xaquespeira, e lhe pescudardes sobor das suas orígens, e ele vos respostar ser um «baixoestradenseriveiro», haveriades ficar como estavades, em termos de conhecimentos acerca da origem desse indivíduo. Entom poderiades perguntar, «e logho onde queda a baixia essa de onde sondes?», co qual o indivíduo alieno nom teria mas jeito que acabar dizendo, «na Inglaterra» (mesmo que tenha aventurado antes um «na banda do solpôr das Terras do Meio», que pra vós seria como dizer rem). Assi, a partir daí, ele seria pra vós, por força, um «inglês», e do baixio do ribeiro esse já nem haveriades querer ouvir rem. É umha simple questom de simplificaçom preconceituosa, mas é-vos o que há. Por outro lado, mesmo que esse fulano sentisse um grande patriotismo polo seu baixio encol do rio ou polas suas terras do meio, e vos largasse um parrafeio político sobre as suas peculiaridades, especialmente em termos de geografia (física e humana) e falar vernáculo, em contraste enorme coas do resto da Inglaterra, afinal seria mui provável que nom lhe ligássedes davondo e que vos ficássedes co conceito mais simples: «é um inglês» (embora nom de Londres). E este vosso preconceito haveria se consolidar ainda mais quando vos atopardes cum outro morador ou moradora dessas partes do mundo, e nom vos dixer mais ca «eu som inglês / inglesa», sem tentar vos largar qualquer discurso político-cultural nom pedido.

Mas em qualquer caso, pra entrardes num país qualquer, e pra lidar com assuntos oficiais nele, e disso se trata aqui no início, tendes de mostrar o passaporte, que é a prova inequívoca da vossa nacionalidade, ao contrário do sotaque do Cazaquistám ou qualquer outro indício ou aparência. Todas as persoas tenhem de ter umha nacionalidade, nom é? Isto pode ficar ilustrado reproduzindo um outro cenário real nas alfrândegas dum aeroporto da Inglaterra, onde mais dumha vez me pescudárom (sei alô porquê):

Cenário 3 (A):
— Where are you coming from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your aeroplane coming from?
— From continental Europe
— Can I see your passport, please?
— I don’t have a passport (ai!)
— You don’t have a passport … What is your nationality?
— I don’t have a nationality
— You don’t have a nationality … come with me, sir

Cenário 3 (B):
— Where are you coming from, sir?
— From the aeroplane
— Where is your aeroplane coming from?
— From continental Europe
— Can I see your passport, please?
— Sure, there you have (por agora vou bem)
— You are from Spain ...
— I am Portuguese (já que nom som galego, entom espanhol tampouco!)
— You are Spanish, sir (dito olhando-me de acima a baixo)
— You know better than me, don’t you ... (dito entre os dentes e amolado)
— I beg you pardon?
— Never mind
— Come with me, sir
 ...

Já que logo, e sem ter de dar mais cenários coma exemplo, eu já me venho resignando a aceitar a nacionalidade errada, espanhola neste caso, a cada vez que tenho de tratar de assuntos oficiais ou políticos. Puro pragmatismo. Porém, pra um galego sim que é possível escapar do estigma da calorosa naçom em que se come «paiela» e se fala berrando, quando em situações NOM OFICIAIS. Isto pode ver-se ilustrado no cenário a seguir:

Cenário 4:
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal (dito cum amplo sorriso, o sorriso do quem acha um certo e misterioso prazer em mentir sabendo que nom vai ser apanhado)
— Ah, do you speak Portuguese then?
— Probably
...

E assi, quando pescudado nas situações mais ordinárias da vida, tratando-se dumha simples escolha entre o estigma de ser julgado da naçom das corridas, Málaga e David Deghea, ou da naçom de Cristiano Ronaldo, Mourinho e «Albufiera», eu já figem a minha escolha. Afinal, qual das duas é mais parecida coa galega? Está claro, clarinho: quem é que esta a entender esta minha escrita?

Pro isto nom quer dizer que tudo fique resolvido dumha maneira total, nom. Emporisso, com esta hipotese é muito mais doado lidar cos estigmas, porque, que lhe querem, eu nom me importo muito com que as persoas pensem que som português. E se nom, reparem na hipótese númaro 5, que já me aconteceu varias vezes:

Cenário 5 (A):
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal, I am Portuguese
— Ah, do you know Cristiano Ronaldo?
— Where are you from, mate? (típica pratica galega de responder umha pergunta cumha outra pergunta)
— Me ... ? I’m English ...
— Do you know Wayne Rooney?
...

Cenário 5 (B):
— Where are you from, sir?
— I am from Portugal, I am Portuguese
— Ah, you look like Mourinho
— Yeah, he’s my cousin
— Really? (sincera e agradavelmente surpreendido)
— ...

Enfim, o problema inicial de identidade ficando resolvido, pareceria que a minha vida de galego emigrante pescudado haveria ir por caminhos mais doados e cómodos. Mas nom. Agora xurdem outros problemas, e nom menos prementes. Porque umha cousa é dizer a um desconhecido qualquer que és português, e outra cousa é dizer-lho aos teus colegas, vizinhos, amigos, etc. Assi, umha cousa vai-che levar a outra, e afinal acabas, como é o meu caso, construindo umha verdadeira «net of lies» (umha rede de mentiras). Por exemplo, perguntam-che sobre o nome dos teus familiares, e irremediavelmente tens de faguer alguns «adjustements» fonéticos. So far no problem. Nomes coma José, Carlos ou Manuel som praticamente iguais em Portugal e na Galiza. Mas quando se vai profundando nas relações e te achas a falar de histórias da tua vida, esses «adjustments» vam-se fazendo mais complicados e enleando a cada vez. Por exemplo, podes falar da tua experiência laboral e de vida em geral em Madrid nos mesmos termos que acontecérom na realidade, só que mudando o nome da empresa e dalgumha persoa. Mas antes disso foi necessário faguer algumhas pescudas sobre Lisboa na internet, pra nom cometer algum erro «suspeito». Ou mesmo ir visitar essa cidade (sim, mentir pode vir a custar mui caro). Tamém tens de mentir muito quando te perguntam como se diz na tua língua tal ou tal cousa e, nom sendo português, nom sabes a resposta. Desta maneira, ao longo destes anos eu venho largando acotio verbas galegas ou inventadas («argalhada», «botar um foguete», «beira-rua», «carracha eleutrônica») e fazendo-as passar por portuguesas, porque a alternativa seria fazer-se de xordo ou mostrar mui más maneiras («how do you say “pendrive“ in Portuguese? Look it up in the dictionary, mate, don’t be so lazy!»). E segundo a mentira sobre o meu passado português se vai complicando e incrementando, os efectos acumulativos sobre a minha memória começam tamém a pesar. Por isso é fulcral ir tirando apontamentos. Do que se diz, do que se dixo errado e a quem se dixo, do que deve ser retificado quando o ensejo xurdir, do que se poderá dizer no futuro. É umha grande argalhada, como só um galego poderia argalhar. Mas já expliquei polo miúdo os efeitos de nom assumir umha nacionalidade, ou de assumir a nacionalidade errada. As persoas precisam dumha nacionalidade, porque se nom a tens, ficam perdidos, nom sabem como tratar contigo. Poderia ocorrer mesmo que che tratassem coma um refugiado, com dó ou desprezo, asegum. Se fosse por mim, eu nom teria problema algum em ficar apátrida, ou por fazer-me de albanês ou caralhistano, mas já ilustrei acima os problemas coa lei que derivariam dessa identidade fictícia. Por enquanto, estou aqui entalado coa minha pretensa portuguesidade. E continuo a pescudar nela.

Em qualquer caso, cumpre ter presente a todo momento que, como di o adágio, nom por repetir muito umha mentira ela se torna verdade. Mesmo que na foto identificativa que me tirárom recentemente no emprego saísse cumha cara de português de muito nabo. Será que estarei a somatizar as minhas mentiras? Ou será possível que, como di um outro adágio, umha mentira repetida muitas vezes acaba por se tornar verdade?




















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