Sunday 28 August 2016

EL NACIONALISMO NO SE CURA VIAJANDO (Aventuras dum galego em Lisboa)

Velaqui o adágio, mas em versom afirmativa, que soia ouvir-se no meu entorno familiar (quando eu tinha um) assi que qualquer persoa, de dentro ou de fora, falava em defesa da língua ou cultura galega. Os galeguistas eram gente coma os comunistas, ou quase (tam ruins). O nacionalismo, fosse galego, basco ou catalám, era umha espécie de tribalismo, umha ideologia embiguista e negativa que ia contra o progresso natural da humanidade. O galego estava bem pra falar na rua, pràs cantigas e o folklore, mas tentar impô-lo à gente que nom o falava (ou nom queria falá-lo) era umha treta que nom tinha nengumha justificaçom. O mundo era mui grande, e pra viajar por ele, se se quiser melhorar na vida, o que cumpria falar era o inglês ou o francês, pra além do espanhol, claro.

No entanto, o galego estava bem vivo na minha vila, e era o único idioma falado nas aldeias circundantes. Os lugares, as persoas, os animais e as cousas vegetais e naturais ou minerais tinham ainda nomes galegos. Era impossível nom embater no galego a quase cada momento do dia, mesmo quando falavamos os que nom o sabiamos. E nom só: essa fala era a da gente mais probe, a fala dos labregos. Foi-me impossível nom amá-la, e quando os kilómetros e os anos me arredárom da Espanha e do espanhol, a fala de meus avôs xurdiu coma umha ilha maravilhosa, terra virgem ateigada de possibilidades, no meio do oceano europeu. Ao lado do inglês, do francês ou do italiano, o galego recuperava a sua nobreza. A sombra do castelám, ou espanhol, nom o agochava nem tingia os seus ecos milenares com acentos supostamente civilizados.

Mas da mesma maneira que o destino me arredou do espanhol, ele me aproximou do português. Em qualquer caso, cumpre dizer que, sendo raioto como som, o português nunca me foi alheio nem estrangeiro. Aliás, essa promiscuidade galego portuguesa em que eu aprendim a nossa fala, tirou-me qualquer pudor e escrúpulo de xorne espanholista e semeou em mim umha funda suspeita e até desgosto polas correntes codificadoras de corte compostelana, ou seja, espanhol.

E velaqui que hoje me encontro meio perdido a profundar no infindável túnel do coelho. Acô em Portugal, em Lisboa, nom preciso de abrir as minhas vogais, como eu tinha de fazer em Madrid, ao contrário. O parrafeio «pailám», o falar galego autêntico, que nom é bem visto na própria Galiza, aqui soa mais natural e entende-se bem. Por vezes penso no que eu nom daria por poder recuar aos tempos em que milheiros de galegos trabalhavam em Lisboa, pra vê-los interagir cos lisboetas, sem terem de agochar a sua fala. Tempos duros aqueles: trabalhavam que nem um galego.

Mas os meus tempos som de turismo: eu nom som pago pra carregar auga ou qualquer outra mercadoria, senom que som eu que paga por elas. E em Lisboa sinto-me à vontade. Adoito (= habituado) a falar e ouvir a todo tempo o castrapo anglo-saxônio, fala que ainda nom me deixa de ser estranha, chegar a um lugar (ainda que seja por umhas férias) onde poder falar o galego, mesmo aportuguesado, é quase umha esmorga. Bevo cos olhos as escritas polas ruas, compro jornais e revistas, peço cousas nas lojas e bares, ouço os falares, e sinto-me coma na casa. Ainda há quem me fale inglês, deve ser a minha pinta de turista, mas assi que se decatam de que eu falo a língua vernácula voltam decontado a ela, e eu aprendo de cada um deles repetindo as parolas que pronunciam, e mesmo puxo no xiado e sinto um estranho prazer, como que clandestino, no meu pechar as vogais: eu cuidava que isso era proibido numha cidade, mas nesta, aliás neste país, é a norma.

No entanto, nom levou muito tempo pra me decatar de que eu nom era o único espanhol à vontade em Lisboa. Porque entre os muitos turistas que pululam pola cidade olisipona, há umha cheia de espanhois, todos a falar espanhol mui à vontade. Umha fala mui cacofónica, a dos espanhois. Mas os lisboetas entendem-na bastante bem, embora pareça ser o inglês o que melhor dominam. Povo poliglota, o destes galegos do sul, aberto ao mar, hospitaleiro, de xorne humilde e cortês.

Um dia de muito sol decido ir no barquinho do Tejo. Compro o bilhete, perto da Praça do Comércio, e mandam-me pra um cais ali ao lado. Já há persoas à espera. O barco ainda nom chegou, mas cumpre ir colocando-se bem, porque eu quero ir na borda, pra desfrutar do ar e das augas do Tejo. Segundo a espera se demora mais turistas coma mim vam chegando, e aquilo vai-se enchendo de gente. A maioria das persoas parece relaxada, a falarem casualmente, mas eu nom quero perder um posto na borda, de modo que me vou deslocando cara a frente, mui à galega, coma se de nada fosse. Consigo ultrapassar alguns turistas que estavam antes de mim, mas que lhe querem, pagar nom sei quantos pesos pra ficar no meio do barco a vê-las vir nom é o meu choio! Em qualquer caso, passados alguns minutos, observo umha espécie de discussom à frente da fila (se àquilo se pode chamar fila, pois era mais bem um molho de persoas amoreadas). Entom chegam os empregados, enfiando-se polo meio daquela multitude de tagidófilos: uns vam cara o barco, um levanta a barreira e dous ou três começam a pedir o bilhete pra fazer passar a gente. Mas, ai, acontece nesse mesminho instante que um fulano, o que estava no centro daquela discussom à frente, e que nom estava mui contente coa organizaçom deste evento, se coloca no meio pra blocar o acesso ao barco (!?) E nom só: começa um parrafeio, EM ESPANHOL, sobre a conveniência de umha melhor organizaçom e sobre a sacanice de muitos dos presentes ali, que iam deslocando-se prà frente mui renartes e aleutos. Chamou-nos «listillos». Eu, como tinha os óculos de sol e o bonê (co escudo de Portugal) bem afundido quase até os olhos (como medidas de proteçom solar) nom precisei de agochar-me ou de dizer nada. Limitei-me a olhar à volta; havia ali turistas ingleses, franceses, alemães, talvez holandeses, italianos, brasileiros ... mas espanhol, por esta vez, nom havia, tirado o Generalísimo aquele ... e eu. Acho que era eu o único que entendia o que falava, mas nom era na minha ideia falar espanhol em Lisboa, e de resto eu era o maior batoteiro naquela multidom. No entanto, a situaçom divertia-me davondo, porque o fulano nom parecia decatar-se de que o persoal nom entendia nem papa do que falava, nem queria entender, e ainda por riba um dos alvos das suas críticas era um par de senhoras inglesas na frente, tam trapaceiras coma mim. Muito Brexit por aqui e por acolâ, mas o respeito polas filas birtânicas já se perdeu, o qual é algo que eu nom precisava assistir em Lisboa (e de resto, isso do fair play dos britâncios é um mito: eles sempre fam batota quando se sentem seguros de nom serem apanhados).

Enfim, o passeio polo Tejo foi óptimo, e tanto eu coma a gente envolvida no episôdio conseguimos sentar a carom da borda. Mas afinal, o que aquele espanhol rabeado decerto nom comprendeu é que mesmo que aquelas persoas entenderam e falaram o espanhol, nom haveriam retrucar-lhe, porque o que se costuma faguer em Madrid (debater descontraidamente e rifar em público por cousas insubstanciais) nom necessariamente se costuma noutros lugares. Nom na minha terra de hoje, nom na da minha naçom, e tamém nom em Lisboa. Mas há que nem viajando se cura do seu nacionalismo ...