Tuesday 11 October 2016

A ONÇA MORREU, MATO É MEU (aventuras dum galego na Inglaterra)

Nom muito tempo há, porque o tempo é cousa mui relativa, em sentindo saudades de nom sei o quê, acô na fria Inglaterra, inscrevim-me num clube de capoeira. Eu já ouvira falar dessa estranha arte brasileira, com nome como que de pitas ou galinhas galegas, mistura de bailado e de loita marcial, e velaí que o dia foi chegado pra eu o experimentar. Sendo eu como era ainda moço, ou nessa idade em que o corpo ainda consegue fazer, com algum pequeno esforço engadido, o mesmo que fazia mais à vontade vinte anos atrás, juntei-me a um grupo de moços e moças, todos mais jovens ca mim, e por certo mais viçosos de corpo e aleutos na arte. Havia ali gente de todo o mundo. Havia mesmo um rapaz checo que adeprendera sozinho a capoeira no seu país, assistindo no youtube. Os mestres falavam bem inglês, e recebíram-me mui afavelmente, como noviço que era. Pra nom crebar qualquer harmonia e evitar todo trato de favor, eu falei-lhes tamém inglês, embora eu sabia que eles partilhavam comigo um certo elo linguístico. Gostei muito da capoeira, desse ritmo e músicas, desse esforçar o corpo em movimentos como que de ondas do mar. Foi pena que nom me tivesse iniciado em neno, pois há cousas, digamos um sentido da arte, que nom se dam apreendido tam facilmente em adulto. Eu conseguim contudo reproduzir alguns movimentos, nom sem certa graça, mas o sentido da loita e bailado simultâneos escapavam-me por completo. Emporisso, pagava a pena alô estar, e participar plenamente, coma mais um deles, nos aquecimentos e na prática dos movimentos fundamentais, assi como escoitar o tanger e bater daqueles instrumentos tam exôticos, esculpidos em madeira e peles tropicais.

E por isso mesmo, porque a capoeira nom só é dança e loita, mas tamém palmas e cantigas, aconteceu um dia que um dos mestres capoeiristas introduz a turma à umha cantiga, e vai-nos fazendo repetir as letras, verso por verso, pra podermos engadir o canto às palmas e à roda de capoeira. Ele dizia um verso, e os alunos repetiam, sem saber o significado das palavras. Achei engraçado como o sotaque inglês se fundia no brasileiro, numha ladaínha misteriosa e incomprensível pròs participantes. Mas nom pra todos eles. Porque segundo eu me ia soltando no ritmo das palmas e da voz, o significado da ladaínha ia atingindo na minha mente tonalidades verdadeiramente conhecidas: aquela era umha cantiga galega. O mestre ia encorajando o persoal, porque já se sabe o difícil que é falar umha língua estrangeira, e ainda mais cantá-la batendo palmas, de modo que ele ia dando à roda atençom personalizada e conselhos, como se fosse um mestre de língua portuguesa. Quando chegou quanda mim, parou a me escoitar, sorriu abertamente, acenando em afirmativo coa cabeça, e deseguido continuou pra atender quem ainda nom conseguia cantar bem os versos.

E assi, segundo os capoeiristas da fria Inglaterra iam apurando a sua proépia brasileira, nassalizando e e pronunciando ao jeito propriamente brasileiro, em ritmo co bater das palmas e de tambor, do tanger do birimbau, eu acô ia matando as minhas saudades, sem preocupar-me mais da minha pronúncia galega do que um brasileiro em Lisboa da sua própria brasileira.

Havia porém mais umha diferença entre eu e os meus colegas de turma: Eles cantavam umhas palavras estranhas, cujo significado lhes fora explicado, em inglês. E eu, que nom precisara daqueles esclarecimentos, estava a cantar na minha própria língua. Acô, numha terça feira do outono da fria Inglaterra, longe mui longe da Galiza ...

Algum tempo mais tarde pescudei as letras daquela cantiga na internete. Ei-las:


A onça morreu, mato é meu
Mato é meu, mato é meu
A onça morreu, mato é meu
A onça morreu, morreu, morreu
A onça morreu, mato é meu
A onça do mato agora sou eu
A onça morreu, mato é meu
Mato é meu foi o meu pai quem me deu
A onça morreu, mato é meu


E velaqui como muitos anos despois de eu andar polo mato da Galiza, a sentir o arrecendo da onça sem nunca conseguir vê-la, decatei-me um belido dia de que o mato galego, o meu mato, era em realidade muito mais largo do que me tinham dito, e ele-havia árvores e criaturas exóticas, e o arrecendo da onça pairava por todo ele …









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